domingo, 26 de maio de 2013

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - UM TEXTO DE CARLITO LIMA

            O Enterro do Colaço


Livro Biográfico- Geraldo Majella- Edições Bagaço

                                                 
                                                              Colaço discursando

                    No final dos anos 70 conheci uma das figuras marcantes na política alagoana, Rubens Colaço, líder dos estivadores, dirigente do Partido Comunista Brasileiro.
     Na época chegou a Maceió, Paulo Cavalcante, deputado pernambucano, ex-preso político no quartel onde eu servia como tenente em 1964, a 2ª Companhia de Guardas no Recife.  Paulo pediu aos companheiros de partido para ter algum contato com seu ex-“carcereiro”, o tenente Lima. Rubens Colaço logo me telefonou. Passamos um fim de semana mostrando as belezas de Maceió a Paulo, junto com Geraldo Majella e Alberto Jambo. Pajuçara, Ponta Verde, Jatiúca, Praia do Francês, passeio na Lagoa com direito a banho no Broma, Marechal Deodoro, bons papos, boas cervejas, peixe e camarão, comunista também gosta de coisa boa. Paulo Cavalcante recordou muitas histórias durante sua prisão na Companhia de Guardas. Escreveu um livro, “O Caso Conto Como O Caso Foi”, ao ler fiquei emocionado com opiniões a respeito do ex-“carcereiro” que virou amigo.
     Assim consolidei minha amizade com Colaço. Nos bares da cidade encontrava-me com o velho guerreiro; sempre um bom papo, excelente humor e copo. Certa vez um lavador de carro encontrou no meu fusca uma dentadura, eu havia tomado umas cervejas com Rubens no dia anterior, fui até sua casa. Encontrei-o banguela. Vibrou quando avistou sua amada dentadura. Voltou a ter aquele sorriso maroto.
      Anos depois Colaço morreu, houve uma comoção entre os moradores de Jaraguá, do Poço, Ponta da Terra e adjacências. Os estivadores do caís do porto pararam de trabalhar para homenagear o grande líder. Os pobres, os descamisados, os sem terra, sem teto, perdiam seu pai, seu irmão, seu farol, seu guru.
        O enterro saiu de sua casa repleta de estivadores, catraieiros, gente do povo, choravam a morte de um homem que se dedicou às causas populares. Em pouco tempo a cachaça e a cerveja rolaram. O choro e a emoção aumentavam com a branquinha. Intelectuais, políticos, desocupados, até um padre e uma cafetina se apinhavam na casa. Seus amigos de copo e de luta prestavam a última e dolorosa homenagem.
             Passava da hora de sair o enterro. Ninguém disposto a fechar o caixão. Até que Seu Gilberto (pai de Edberto Ticianeli) advertiu, tinha chegado o momento; a família acatou.
           Ao segurar na tampa do caixão, um dos chorosos amigos, cheio de cachaça na cabeça, pediu para adiar o enterro, ficar mais um pouco com Colaço.
          Formou-se uma calorosa discussão. Fizeram reunião na sala ao lado. Depois de muito discutir, Seu Gilberto irritado com os companheiros bêbados, insistentes, saiu da sala, desabafou num rompante:
-          “Tudo bem façam o que quiserem. Peguem o defunto com caixão e tudo e enfiem no cu”.
       Deu-se um mal estar. A família do morto resolveu levá-lo naquela hora. Tamparam o caixão, foram em direção à sua última morada no cemitério de Jaraguá. O féretro seguiu a pé, alguém orientava o percurso.
     Ao chegar ao cemitério, mandaram entrar à direita. Nesse momento, um fiel amigo, cheio da cachaça, gritou:
       - “Parem o enterro! O companheiro Rubens nunca entrou à direita quando vivo, sempre foi coerente com seus princípios e não será agora depois de morto que ele vá entrar à direita. Rubens Colaço só entra à esquerda!”
       Nessa altura os acompanhantes, alguns com a branquinha na mão, começaram a aplaudir. Os companheiros inflamados gritavam: “Muito bem! Viva Rubens Colaço! Ninguém entra à direita!”
      Não houve argumento. Fizeram um enorme e complicado itinerário dando arrodeios nas quadras de tumbas e mausoléus.
     Assim, com ajuda dos companheiros, o grande Colaço continuou coerente, digno dentro de um caixão, entrando sempre às esquerdas, chegou finalmente em sua morada no cemitério de Jaraguá.
      Hoje deve estar sentado à esquerda de Deus pai, todo poderoso.

LEIAM O LIVRO DE GERALDO MAJELLA: “RUBENS COLAÇO, PAIXÃO E VIDA”. EDIÇÕES BAGAÇO - RECIFE


     

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