quarta-feira, 24 de abril de 2013

UM TEXTO DE CARLITO LIMA - CURADOR DA IV FLIMAR



       A Lenda da Massagista do Navio


         
      Letícia tinha apenas 10 anos quando aconteceu o acidente de carro. Seu pai morreu. Segundo a mãe, ela salvou-se graças a uma promessa. Ao completar 16 anos, entrou para o convento, promessa cumprida de Dona Margarida. Letícia aceitou resignada seu destino. Estava em paz consigo, dois anos interna preparando-se para ser freira, quando apareceu no convento o Padre Ramalho, ainda moço, beirando os 30 anos, alto, forte, alegre e bonito. Mexeu no coração e nas vísceras de Letícia. A imagem do padre deu-lhe inquietude, desconcentração, insônia. A recíproca foi verdadeira, o padre se encantou com a morenice, os olhos amendoados, os cabelos negros daquela noviça meiga. O Demônio atenta, fez com que Letícia ficasse ajudando ao padre durante as missas e preparativos. Com dois meses os dois jovens estavam enfeitiçados. Aconteceu o previsto pelo Cão. Numa noite de lua nova, por trás da sacristia, o sangue escorreu pelas pernas de Letícia. Continuaram se encontrando, se amando, até que um dia a madre superiora teve certeza de alguma coisa entre os dois, só pelos olhares. Entregou a freirinha em sua casa afirmando falta de vocação, Deus perdoaria a promessa.
       Letícia ficou quatro meses e dois dias trancada em seu quarto, saía para comer. Chorava a noite toda, a mãe pensava ser frustração, não ser freira, nunca imaginou, era saudade do Padre Ramalho. Noites insones se possuindo. Uma prima foi visitá-la, conseguiu tirá-la daquele estado letárgico, mostrou-lhe as noitadas, as baladas de Maceió. A partir desse dia Letícia dedicou-se à noite, à boemia e aos homens. Em certa temporada de verão um turista grego, passageiro do Maru Costa, convidou-a para conhecer o navio. Fizeram amor no camarote. Quando acordou no dia seguinte, o transatlântico atracava no Recife, havia viajado como clandestina. Daí aceitar o emprego de “massagista” no navio foi um pulo. No outro dia o Maru Costa partiu para Tenerife, sete dias de viagem pelo Oceano Atlântico. Não foi difícil arranjar clientes. Comprou roupas a bordo. À noite entrava nos salões de dança encantando homens e mulheres. Nessa semana de viagem ganhou tanto dinheiro que não acreditou. Com apenas 20 aninhos tornou-se “massagista” de alto luxo. Ao desembarcar em Tenerife o grego deixou o camarote para a amiga. Dois dias depois o navio rumou à Barcelona. Letícia engrenou sua vida, enviava cartas e dinheiro para mãe orgulhosa com a filha, comissária de bordo.
            A divina brasileira, assim a chamavam, ficou embarcada em camarote exclusivo. Passaram-se semanas, meses, anos. Letícia exerceu a profissão de massagista durante 23 anos, 4 semanas e 2 dias, inquilina do Maru Costa. Apenas uma vez retornou à Maceió, de avião, para o enterro de sua mãe. No Parque das Flores todos queriam falar ou ver a menina Letícia que um dia partiu sem destino, continuava solteira, charmosa, rica, misteriosa, nunca deixou de enviar dinheiro para mãe. A bela mulher abafou em um vestido negro, não passou mais dias na cidade porque o navio ia partir de Sydney na Austrália para Amsterdã na Holanda. O comandante telefonou pedindo sua presença, ela fazia parte do patrimônio no navio. Assim Letícia viajou por todo mundo, conheceu homens de toda espécie, escandinavos, latinos, asiáticos, africanos. O felizardo que passou uma noite com Letícia, jamais a esqueceu. Durante esses anos ela teve 5.875 propostas de casamento, recusadas, dizia seu destino ser a solteirice. O nome de Letícia ainda corre nos quatro cantos do mundo conhecida como feiticeira do amor. Quando o navio atracava nos portos havia fila organizada de clientes para receber a brasileira nos hotéis da cidade. Seu nome tornou-se lenda na Europa, no mundo. Ano passado o navio Maru Costa teve sérios problemas, antes de se aposentar, antes de o explodirem, fez seu último cruzeiro, por coincidência o mesmo em que Letícia embarcou anos atrás. Ela ficou triste, estava disposta a se esconder e se explodir junto com o navio. Quando o Maru Costa atracou em Maceió, o céu estava ensolarado, o mar verde esmeralda com matizes azuis. O coração de Letícia disparou, acabou a depressão, arrumou-se, desembarcou.
           Quem quiser conhecer nossa heroína é só ir a uma casa de massagem na Serraria. Letícia atende com mais três massagistas. Dizem que os clientes preferem a coroa. Os mais íntimos, ao ouvirem sobre sua vida, suas histórias, perguntam qual dos homens que teve a seus pés, o amor grande de sua vida. Ela não hesita: “Do primeiro amor ninguém esquece!”

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