O
MEMORIAL DA RAPARIGA DESCONHECIDA
Em
um uma esquina da Rua Rocha Cavalcante, no bairro de Jaraguá, em Maceió, uma
placa reluz: “Memorial da Rapariga Desconhecida - Uma homenagem à mulher que
preservou e nos legou Jaraguá. Dedicado por todos os filhos de uma mãe”.
Logo tu, Jaraguá? Quem poderia
imaginar... Na origem de um bairro de tão imponentes endereços, pudesse haver
uma homenagem tão singela a uma anônima de vida fácil? Ninguém além do escritor
Carlito Lima, mentor da placa, assinada pela Confraria do Sardinha, “turma
formada por escritores, jornalistas, intelectuais, boêmios, políticos e outros
desocupados”, ele explica. Houve até solenidade no descerramento da placa,
ocorrido há cerca de sete anos.
A
homenagem, segundo Lima, é justíssima. As prostitutas, explica, foram as
principais responsáveis pela preservação dos prédios antigos do bairro erguidos
no início do século passado, uma preciosidade arquitetônica da capital
alagoana. Por ao menos seis décadas, o alto, médio e o baixo meretrício
ocuparam os casarões do pedaço. No início Jaraguá atraiu empresas e moradores
mais abastados por causa do desenvolvimento portuário. Mas, além do comércio, o
cais costumava atrair também estivadores. E estes as prostitutas. E estas os
cafetões e um bando de desocupados.
“Região portuária é chamariz de biroscas e raparigas, e logo as casas
avarandadas de dois andares foram transformadas em lupanares ocupados pelas
mariposas do amor”, poetiza Carlito, sobre a transformação do lugar na famosa
zona. “Todas as casas que serviram como boates de raparigas acabaram
conservadas, ainda que involuntariamente”, ele garante, antes de citar casos
similares como o Recife Antigo, O Pelourinho, o Mangue, no Rio de Janeiro, e La Boca, em
Buenos Aires.
Para Lima, secretário de Cultura de
Marechal Deodoro, município vizinho a Maceió, o próprio conceito de “rapariga”
soa anacrônico aos rapazolas dos novos tempos... A zona do Jaraguá era dividida
em três partes. Havia a área frequentada pela fina flor da elite da capital.
Nos cabarés mais refinados, o Tabariz e a
Alhambra eram famosos, onde se encontravam as mulheres mais belas,
muitas “importadas” da Bahia. Os estabelecimentos de segunda, como o Duque de
Caxias e o Verde, eram um misto de bares e alguns quartos sem banheiro. “Mais
adiante tinha o Sovaco do Urubu, que, aí sim, era zona de última categoria. O
camarada passava na porta, pegava gonorréia”, brinca o escritor.
Fora o Memorial da Rapariga Desconhecida,
hoje em dia não há marcas em Jaraguá do passado de epopéias libertinas. As
prostitutas deixaram o bairro no fim dos anos 60, durante a ditadura, depois de
um incidente que envolveu a esposa de um influente senhor. Segundo Lima, apesar
de morarem preferencialmente em Pajuçara e Ponta Verde, as famílias ricas eram
obrigadas a atravessar Jaraguá para chegar ao centro da cidade. Habituada a
fazer compras no primeiro horário da manhã, a mulher do nobre cidadão cruzava o
bairro quando viu um “vagabundo, que certamente bebera a noite inteira",
baixar as calças, exibir suas partes pudendas e se aliviar nas imediações. Uma
agressão à moral e aos bons costumes.
O “coronel”, claro, não gostou da
história e usou seu poder para conseguir a imediata remoção dos lupanares de
Jaraguá. As raparigas foram transferidas para o distante bairro de Canaã e
levaram consigo toda a sorte de beberrões, arrivistas, poetas e notívagos. O
sujeito que fez corar a dama da sociedade nunca foi identificado. Nem se sabe
se sofreu algum tipo de punição exemplar.
(Fragmentos da matéria
do Jornalista Fábio Fujita publicada na revista Carta Capital de 7 de agosto de
2013)
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